Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 527 | Agosto de 2022 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

MARIELY BIFF Consultora e palestrante em sucessão familiar no agro

Mariely Biff é natural do Paraná, filha e neta de produtores rurais, e reside desde 1996 no Mato Grosso. Mestranda em Gestão Estratégica de Empresas Familiares Unini/Porto Rico, MBA em Agronegócios – Esalq/USP, Pós-graduada em Gestão Empresarial - Uned e Graduada em Administração com habilitação em Agronegócios - Uned. Consultora e palestrante em Sucessão Familiar Agro há mais de dez anos, atende produtores rurais e empresas do setor em todo país. Protagonista dos comerciais “Minuto Agro” da Caixa, exibidos em rede nacional pelo SBT.

“Toda empresa familiar que desejar perpetuar seu legado por gerações, deve iniciar o mais breve possível o processo de profissionalização da empresa, e, junto dele, o planejamento sucessório.” A frase é de Mariely Biff, consultora e palestrante em sucessão familiar no agro. Segundo ela, antigamente, muitos herdeiros se tornavam sucessores por necessidade ou por obrigação e poucos tinham possibilidade de estudar e trabalhar fora do negócio da família. “Com o passar dos anos, por meio do avanço da tecnologia porteira adentro, da melhoria de acesso às propriedades e da possibilidade de comandar o negócio remotamente, percebe- -se um aumento significativo de jovens que desejam continuar os negócios, inclusive porque muitos pais batalharam para que os filhos estudassem e adquirissem bagagem técnica, fazendo com que hoje eles possam voltar à propriedade e aplicar os aprendizados. Assumir a responsabilidade de ser sucessor não é tarefa fácil. Exige preparo, resiliência para lidar com as diferenças de gerações”, diz.



Revista Coamo: As mulheres estão mais ávidas por aprender e ampliar o conhecimento?

Mariely: Com certeza! Mais ávidas e permeadas de oportunidades por meio de muitos movimentos que vêm sendo criados ao longo dos anos, tanto partindo das próprias mulheres, que constituem grupos e projetos, como também por meio de iniciativas a exemplo do projeto Mulheres que Semeiam, da Coamo, permitindo a expansão de lideranças femininas e fazendo com que elas tenham possibilidade de ter suas vozes ecoadas, transformando a realidade dentro do círculo familiar e na sociedade. O agronegócio precisa de homens e mulheres capazes. Pessoas com sede de mudança e transformação. E os diferentes papéis que cada um pode ocupar dentro e fora da porteira, tornam o setor mais rico, forte e pujante. Sempre haverá lugar para a competência, independente de gênero.



RC: A Coamo lançou o programa “Mulheres que semeiam”. Qual sua avaliação preliminar?

Mariely: O projeto é uma excelente iniciativa da cooperativa, pois visa a transformação das mulheres por meio do conhecimento. Houve troca de informações, permitindo que as cooperadas pudessem compartilhar suas vivências e aprender de forma prática com dicas e ferramentas aplicáveis ao negócio de imediato. Trabalhamos temas técnicos aliados à prática em assuntos sobre sucessão, governança e gestão, além de fomentar o autoconhecimento para auxiliar na tomada de decisão e melhorar o posicionamento.



RC: A sucessão é um tema desafiante. Quais as orientações para quem necessita passar por este processo?

Mariely: Toda empresa familiar que desejar perpetuar seu legado por gerações, deve iniciar o mais breve possível o processo de profissionalização da empresa, e, junto dele, o planejamento sucessório. Se pensarmos nas propriedades rurais, onde a maioria esmagadora é composta por famílias que estão no comando dos negócios, algumas dicas podem colaborar para que o processo ocorra de forma mais harmoniosa, como a busca por informações acerca do assunto traz compreensão sobre o processo e colabora para a conscientização da necessidade de iniciá-lo. Também conhecer outras famílias e negócios que estão passando, ou já passaram, pela sucessão, para ter referência e enxergar que existem desafios fora do seu negócio e círculo familiar. Vale ressaltar que há uma grande diferença entre senso de semelhança e comparação. É saudável buscar semelhanças. Elas ajudam no direcionamento do processo. O que não se deve fazer, é comparar. Sua família e a sua empresa não possuem a mesma dinâmica que as demais, os valores podem ser diferentes, fundadores são distintos, bem como pessoas e suas personalidades. Cada um tomou decisões diferentes, teve oportunidades diferentes, então não há espaço para comparações. Importante olhar com carinho para a realidade do negócio e a individualidade de cada membro da família. Listar pontos que necessitam evolução e contemplar o crescimento e amadurecimento que já ocorreu, colaboram para que o processo de sucessão não seja pesado.



RC: Quanto ao planejamento, transferência de gestão e a preparação das pessoas?

Mariely: Se a família tem um bom alinhamento, é interessante começar a pensar em mudanças possíveis nos três círculos – família, propriedade e gestão – e que no primeiro momento, não tenha dependência externa. Esta primeira movimentação colabora para aumentar o vínculo e o senso de pertencimento, e amadurece os envolvidos para as próximas etapas, que necessitam de técnica e execução por meio de auxílio profissional. Como dica, planeje a transferência da gestão para que seja da maneira mais harmoniosa possível. Envolva as pessoas e depois, gradativamente dê a elas oportunidade para tomarem decisões. Comece com questões de menor impacto, e nas situações mais arriscadas, você até pode perguntar o que poderia ser feito se o sucessor precisasse decidir. Assim, fará com que ele vivencie os momentos da tomada de decisão sem ter a responsabilidade imediata de acertar e junto disso, estimula a preparação para quando este momento realmente chegar. Mas, prepare pessoas, pois ninguém amadurece de imediato. O preparo é algo que exige esforço, vivência, tempo, fracassos. Ainda assim, ninguém está 100% preparado para nada nesta vida. Sempre temos algo a aprender. Sempre temos algo a modificar na nossa forma de trabalho. O mais importante nesta jornada, é que o futuro gestor tenha amor pelo que faz, que deseje ver o negócio perpetuar, e que tenha humildade para aprender com quem tem mais experiência, sem deixar de inovar e acompanhar as tendências do mercado, algo que é extremamente importante para esta geração de sucessores. Nós só transformamos o nosso negócio por meio da transformação das pessoas. É necessário que profissionalize o negócio melhorando a tomada de decisão e a comunicação em todos os ambientes, aperfeiçoando a gestão, inserindo o hábito de ter uma prestação de contas transparente e acessível aos familiares e sócios, criando normas, regras e protocolos para que sirvam de orientação tanto para os atuais colaboradores, quanto para as gerações futuras.



RC: Por que você diz que sucessão não é substituição?

Mariely: Sim, sucessão não é substituição, mas é continuidade de um legado construído com muito esforço e dedicação. Portanto, meu desejo é que todos os sucessores tenham a oportunidade de experimentar momentos valiosos de troca com a geração mais experiente e possam caminhar lado a lado por muito tempo, cada qual com suas contribuições distintas fazendo o negócio prosperar.



RC: A prática da sucessão se tornou mais profissional?

Mariely: O campo mudou muito. Antigamente, muitos herdeiros se tornavam sucessores por necessidade ou por obrigação. Poucos tinham possibilidade de estudar e trabalhar fora do negócio da família. Com o passar dos anos, por meio do avanço da tecnologia porteira adentro, da melhoria de acesso às propriedades e da possibilidade de comandar o negócio remotamente, percebe-se um aumento significativo de jovens que desejam continuar os negócios, inclusive porque muitos pais batalharam para que os filhos estudassem e adquirissem bagagem técnica, fazendo com que hoje eles possam voltar à propriedade e aplicar o aprendizado. Assumir a responsabilidade de ser sucessor não é tarefa fácil. Exige preparo, resiliência para lidar com as diferenças de gerações, além de maturidade para pensar no negócio deixando de lado suas preferências, para pensar no crescimento e favorecimento coletivo.



RC: Qual a maior dificuldade na escolha do sucessor?

Marilely: A maior é que a “escolha” do sucessor, não parte apenas da análise das habilidades para a condução do negócio. É preciso muito mais do que isso. Deve haver vontade. Se o negócio tiver um sucessor sem perfil, mas com vontade de aprender e continuar o negócio, é treinável. Agora, se um sucessor que atende todas as demandas para o processo não quiser fazer parte, e por algum motivo for forçado ou persuadido a ocupar o cargo, há grande possibilidade deste negócio não prosperar.



RC: Então, quais os desafios para implantação da sucessão e governança familiar?

Mariely: Existem fatores que comprometem o início do planejamento sucessório e tornam a transferência da gestão morosa. Dentre eles, podemos destacar, fatores culturais: estão diretamente ligados ao tradicionalismo e ao autoritarismo, gerando resistência pela busca de conhecimento, inclusão de outras pessoas na gestão e inserção de tecnologia; fatores emocionais: onde o titular se sente ameaçado e com medo de perder o poder e a utilidade; confiança: as relações de confiança entre os familiares, principalmente entre o titular e sucessor, afetam todo o processo de transferência da gestão. Aos aspectos relacionados à confiança, podemos observar a falta de confiança do titular no sucessor e a do sucessor em si, porque em muitos momentos não se sente capaz para assumir os desafios. Recursos: Medo do negócio não se perpetuar, de que o sucessor não consiga prover o sustento dos familiares e de não ter um final de vida digno, dispondo dos recursos necessários.



RC: O que fazer para a continuidade dos negócios em harmonia após o processo sucessório?

Mariely: Organizar e profissionalizar família e empresa, e implantar regras antes que sejam necessárias, é uma boa forma de colaborar para a continuidade dos negócios. É importante que a família entenda a necessidade de capacitação contínua mesmo após o processo implantado. Nada é imutável, nem as regras. Tudo se constrói de acordo com o atual modelo de negócio e a dinâmica da família, mas sabemos da necessidade de revisão periódica dos processos, regras e métodos, pois pessoas entram e saem das famílias, as prioridades mudam, as coisas mudam muito rápido, e para que possamos nos manter competitivos no mercado, é totalmente relevante estar em constante aprendizado. Será preciso cada vez mais capacidade de adaptação para que as empresas familiares possam se manter ativas no mercado afim de perpetuarem o legado para as próximas gerações. Sucessão é um processo. Profissionalizar e implantar governança também é um processo. Respeite os seus processos!

Mariely Biff no programa Mulheres que Semeiam, promovido pela Coamo em Campo Mourão
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