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Mariely Biff é natural do Paraná, filha e neta de produtores rurais, e reside desde 1996 no Mato Grosso. Mestranda em Gestão Estratégica de Empresas Familiares Unini/Porto Rico, MBA em Agronegócios – Esalq/USP, Pós-graduada em Gestão Empresarial - Uned e Graduada em Administração com habilitação em Agronegócios - Uned. Consultora e palestrante em Sucessão Familiar Agro há mais de dez anos, atende produtores rurais e empresas do setor em todo país. Protagonista dos comerciais “Minuto Agro” da Caixa, exibidos em rede nacional pelo SBT. |
“Toda empresa familiar que desejar perpetuar seu legado por gerações, deve iniciar o mais breve possível o processo de profissionalização da empresa, e, junto dele, o planejamento sucessório.” A frase é de Mariely Biff, consultora e palestrante em sucessão familiar no agro. Segundo ela, antigamente, muitos herdeiros se tornavam sucessores por necessidade ou por obrigação e poucos tinham possibilidade de estudar e trabalhar fora do negócio da família. “Com o passar dos anos, por meio do avanço da tecnologia porteira adentro, da melhoria de acesso às propriedades e da possibilidade de comandar o negócio remotamente, percebe- -se um aumento significativo de jovens que desejam continuar os negócios, inclusive porque muitos pais batalharam para que os filhos estudassem e adquirissem bagagem técnica, fazendo com que hoje eles possam voltar à propriedade e aplicar os aprendizados. Assumir a responsabilidade de ser sucessor não é tarefa fácil. Exige preparo, resiliência para lidar com as diferenças de gerações”, diz.
Revista Coamo: As mulheres estão mais ávidas por aprender e ampliar o conhecimento?
Mariely: Com certeza! Mais ávidas e permeadas de oportunidades por meio de muitos movimentos que vêm sendo criados ao longo dos anos, tanto partindo das próprias mulheres, que constituem grupos e projetos, como também por meio de iniciativas a exemplo do projeto Mulheres que Semeiam, da Coamo, permitindo a expansão de lideranças femininas e fazendo com que elas tenham possibilidade de ter suas vozes ecoadas, transformando a realidade dentro do círculo familiar e na sociedade. O agronegócio precisa de homens e mulheres capazes. Pessoas com sede de mudança e transformação. E os diferentes papéis que cada um pode ocupar dentro e fora da porteira, tornam o setor mais rico, forte e pujante. Sempre haverá lugar para a competência, independente de gênero.
RC: A Coamo lançou o programa “Mulheres que semeiam”. Qual sua avaliação preliminar?
Mariely: O projeto é uma excelente iniciativa da cooperativa, pois visa a transformação das mulheres por meio do conhecimento. Houve troca de informações, permitindo que as cooperadas pudessem compartilhar suas vivências e aprender de forma prática com dicas e ferramentas aplicáveis ao negócio de imediato. Trabalhamos temas técnicos aliados à prática em assuntos sobre sucessão, governança e gestão, além de fomentar o autoconhecimento para auxiliar na tomada de decisão e melhorar o posicionamento.
RC: A sucessão é um tema desafiante. Quais as orientações para quem necessita passar por este processo?
Mariely: Toda empresa familiar que desejar perpetuar seu legado por gerações, deve iniciar o mais breve possível o processo de profissionalização da empresa, e, junto dele, o planejamento sucessório. Se pensarmos nas propriedades rurais, onde a maioria esmagadora é composta por famílias que estão no comando dos negócios, algumas dicas podem colaborar para que o processo ocorra de forma mais harmoniosa, como a busca por informações acerca do assunto traz compreensão sobre o processo e colabora para a conscientização da necessidade de iniciá-lo. Também conhecer outras famílias e negócios que estão passando, ou já passaram, pela sucessão, para ter referência e enxergar que existem desafios fora do seu negócio e círculo familiar. Vale ressaltar que há uma grande diferença entre senso de semelhança e comparação. É saudável buscar semelhanças. Elas ajudam no direcionamento do processo. O que não se deve fazer, é comparar. Sua família e a sua empresa não possuem a mesma dinâmica que as demais, os valores podem ser diferentes, fundadores são distintos, bem como pessoas e suas personalidades. Cada um tomou decisões diferentes, teve oportunidades diferentes, então não há espaço para comparações. Importante olhar com carinho para a realidade do negócio e a individualidade de cada membro da família. Listar pontos que necessitam evolução e contemplar o crescimento e amadurecimento que já ocorreu, colaboram para que o processo de sucessão não seja pesado.
RC: Quanto ao planejamento, transferência de gestão e a preparação das pessoas?
Mariely: Se a família tem um bom alinhamento, é interessante começar a pensar em mudanças possíveis nos três círculos – família, propriedade e gestão – e que no primeiro momento, não tenha dependência externa. Esta primeira movimentação colabora para aumentar o vínculo e o senso de pertencimento, e amadurece os envolvidos para as próximas etapas, que necessitam de técnica e execução por meio de auxílio profissional. Como dica, planeje a transferência da gestão para que seja da maneira mais harmoniosa possível. Envolva as pessoas e depois, gradativamente dê a elas oportunidade para tomarem decisões. Comece com questões de menor impacto, e nas situações mais arriscadas, você até pode perguntar o que poderia ser feito se o sucessor precisasse decidir. Assim, fará com que ele vivencie os momentos da tomada de decisão sem ter a responsabilidade imediata de acertar e junto disso, estimula a preparação para quando este momento realmente chegar. Mas, prepare pessoas, pois ninguém amadurece de imediato. O preparo é algo que exige esforço, vivência, tempo, fracassos. Ainda assim, ninguém está 100% preparado para nada nesta vida. Sempre temos algo a aprender. Sempre temos algo a modificar na nossa forma de trabalho. O mais importante nesta jornada, é que o futuro gestor tenha amor pelo que faz, que deseje ver o negócio perpetuar, e que tenha humildade para aprender com quem tem mais experiência, sem deixar de inovar e acompanhar as tendências do mercado, algo que é extremamente importante para esta geração de sucessores. Nós só transformamos o nosso negócio por meio da transformação das pessoas. É necessário que profissionalize o negócio melhorando a tomada de decisão e a comunicação em todos os ambientes, aperfeiçoando a gestão, inserindo o hábito de ter uma prestação de contas transparente e acessível aos familiares e sócios, criando normas, regras e protocolos para que sirvam de orientação tanto para os atuais colaboradores, quanto para as gerações futuras.
RC: Por que você diz que sucessão não é substituição?
Mariely: Sim, sucessão não é substituição, mas é continuidade de um legado construído com muito esforço e dedicação. Portanto, meu desejo é que todos os sucessores tenham a oportunidade de experimentar momentos valiosos de troca com a geração mais experiente e possam caminhar lado a lado por muito tempo, cada qual com suas contribuições distintas fazendo o negócio prosperar.
RC: A prática da sucessão se tornou mais profissional?
Mariely: O campo mudou muito. Antigamente, muitos herdeiros se tornavam sucessores por necessidade ou por obrigação. Poucos tinham possibilidade de estudar e trabalhar fora do negócio da família. Com o passar dos anos, por meio do avanço da tecnologia porteira adentro, da melhoria de acesso às propriedades e da possibilidade de comandar o negócio remotamente, percebe-se um aumento significativo de jovens que desejam continuar os negócios, inclusive porque muitos pais batalharam para que os filhos estudassem e adquirissem bagagem técnica, fazendo com que hoje eles possam voltar à propriedade e aplicar o aprendizado. Assumir a responsabilidade de ser sucessor não é tarefa fácil. Exige preparo, resiliência para lidar com as diferenças de gerações, além de maturidade para pensar no negócio deixando de lado suas preferências, para pensar no crescimento e favorecimento coletivo.
RC: Qual a maior dificuldade na escolha do sucessor?
Marilely: A maior é que a “escolha” do sucessor, não parte apenas da análise das habilidades para a condução do negócio. É preciso muito mais do que isso. Deve haver vontade. Se o negócio tiver um sucessor sem perfil, mas com vontade de aprender e continuar o negócio, é treinável. Agora, se um sucessor que atende todas as demandas para o processo não quiser fazer parte, e por algum motivo for forçado ou persuadido a ocupar o cargo, há grande possibilidade deste negócio não prosperar.
RC: Então, quais os desafios para implantação da sucessão e governança familiar?
Mariely: Existem fatores que comprometem o início do planejamento sucessório e tornam a transferência da gestão morosa. Dentre eles, podemos destacar, fatores culturais: estão diretamente ligados ao tradicionalismo e ao autoritarismo, gerando resistência pela busca de conhecimento, inclusão de outras pessoas na gestão e inserção de tecnologia; fatores emocionais: onde o titular se sente ameaçado e com medo de perder o poder e a utilidade; confiança: as relações de confiança entre os familiares, principalmente entre o titular e sucessor, afetam todo o processo de transferência da gestão. Aos aspectos relacionados à confiança, podemos observar a falta de confiança do titular no sucessor e a do sucessor em si, porque em muitos momentos não se sente capaz para assumir os desafios. Recursos: Medo do negócio não se perpetuar, de que o sucessor não consiga prover o sustento dos familiares e de não ter um final de vida digno, dispondo dos recursos necessários.
RC: O que fazer para a continuidade dos negócios em harmonia após o processo sucessório?
Mariely: Organizar e profissionalizar família e empresa, e implantar regras antes que sejam necessárias, é uma boa forma de colaborar para a continuidade dos negócios. É importante que a família entenda a necessidade de capacitação contínua mesmo após o processo implantado. Nada é imutável, nem as regras. Tudo se constrói de acordo com o atual modelo de negócio e a dinâmica da família, mas sabemos da necessidade de revisão periódica dos processos, regras e métodos, pois pessoas entram e saem das famílias, as prioridades mudam, as coisas mudam muito rápido, e para que possamos nos manter competitivos no mercado, é totalmente relevante estar em constante aprendizado. Será preciso cada vez mais capacidade de adaptação para que as empresas familiares possam se manter ativas no mercado afim de perpetuarem o legado para as próximas gerações. Sucessão é um processo. Profissionalizar e implantar governança também é um processo. Respeite os seus processos!
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Mariely Biff no programa Mulheres que Semeiam, promovido pela Coamo em Campo Mourão |
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